Elas resistem, aprendem, transformam: Mulheres reprogramando o sistema no CT da Ufes

Ela resiste, aprende e transforma

Camile Policarpo é aluna de Engenharia da Computação na Universidade Federal do Espírito Santo
Camile Policarpo, estudante de Engenharia na UFES, lida com o desafio de provar seu valor em um ambiente acadêmico desigual

Por Deivid D. Paula e Mariana Santos

Ser aprovada no curso dos sonhos em uma universidade pública é uma conquista significativa, mas conviver com a desigualdade no meio acadêmico pode ser um desafio ainda maior. Para Camile Policarpo, 21 anos, estudante de Engenharia da Computação na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), cada aula representa uma batalha, e cada semestre concluído é uma vitória pessoal.

Ao percorrer os corredores do Centro Tecnológico (CT) da Ufes, Camile carrega o desejo de não precisar provar seu valor diariamente. “Já ouvi que o curso não era para mim ou se eu tinha certeza do que estava fazendo. Nem sempre é com tom de maldade; os comentários são bem maquiados”, revela.

Essas frases, muitas vezes disfarçadas de preocupação ou piada, vêm de quem nunca precisou justificar sua presença ali: seus colegas do gênero oposto. Camile enfrenta esses desafios diariamente — na sala de aula, nos trabalhos em grupo e na resistência silenciosa. No CT da Ufes, ser mulher significa estar constantemente sob avaliação.

“É um desafio atrás do outro”. Cada questionamento sobre sua presença, cada olhar avaliador e cada risada abafada durante uma apresentação acumulam-se como pequenas violências que afetam mente e corpo, conta ela.

Camile teve sua apresentação de resultados destacada na 29ª edição da ENEJ, em Maceió, evento que reuniu cinco mil estudantes.

Apesar disso, Camile permanece firme. “Eu consigo me sair muito bem no meio deles. Participo de projetos de extensão, pesquisas, estou sempre ativa no CT”, afirma. Mesmo diante dos obstáculos, ela não pensa mais em desistir. “O curso em si já é difícil; ser frequentemente colocada em teste torna tudo ainda pior”.

Resistência diária no Centro Tecnológico

O CT tem seus próprios rituais e Camile aprendeu todos eles. Sabe que, para ser ouvida, muitas vezes precisa repetir suas ideias até que sejam reconhecidas — geralmente após serem reiteradas por colegas homens. Ela mede suas palavras para não ser vista como “agressiva” ou “frágil” e tem consciência de que qualquer erro pode ser usado contra ela. “Um professor já me falou que eu deveria mudar de curso, escolher um mais a ‘minha cara’”, compartilha.

Ela conhece o peso do silêncio, que nunca é neutro, mas também reconhece a força de sua própria voz. “Nós temos grupos só de mulheres aqui no CT, projetos de extensão que nos motivam a continuar”, destaca.

Chegar até aqui não foi fácil. A universidade pública é uma conquista, mas, dentro dela, Camile enfrenta batalhas diárias. Ela entende que Engenharia da Computação vai além de códigos e algoritmos. Seus dias no CT são uma declaração de que não será apagada ou silenciada. Ela é mulher, aluna, programadora, e ninguém a convencerá do contrário.

Os números que evidenciam a desigualdade

Alguns podem considerar a trajetória de Camile no Centro Tecnológico (CT) como uma questão de percepção pessoal ou falaciosa, mas os dados evidenciam os desafios enfrentados. No Brasil, apenas 16,5% das vagas nos cursos de Tecnologia da Informação (TI) são ocupadas por mulheres, contrastando com uma média de 60,7% de participação feminina nas demais áreas. Além disso, a presença feminina em cursos de ciência da computação e TI caiu de 17,5% em 2012 para 15% em 2022, segundo O Globo. Esses números refletem a realidade enfrentada por ela e diferentes mulheres que não foram e não são acolhidas nesse ambiente.

Persistir para transformar

A professora Roberta Lima Gomes, que leciona Programação no CT da Ufes, observa que o cenário não apenas permanece desafiador, mas piorou com o tempo. “O curso, ao longo dos anos, sofreu um retrocesso, porque a presença feminina diminuiu. E nunca foi um número que chegasse a ser aceitável”, afirma.

Para Roberta, o que já era um espaço hostil para as mulheres tornou-se ainda mais excludente. Menos alunas significam menos redes de apoio, menos referências e, consequentemente, mais barreiras para quem resiste. Camile sente isso na pele.

É por isso que ela permanece. Por si mesma, pelas que vieram antes e pelas que ainda virão, sonhando com um espaço onde possam estudar, aprender e existir sem precisar lutar por isso.

No maior evento de empreendedorismo jovem do Brasil, Camile celebra sua jornada de resistência e transformação.

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