Como é querer ser professor no Brasil

Como é querer ser professor no Brasil

 

Por Igor de Paula e Thaiz Lepaus

Eu vou dar aula para geração Tik Tok, para a geração telefone”. Este é um dos temores que aflige a aspirante a professora Jacya Letícia Dossi, de 22 anos,  em relação às futuras salas de aula. Com o braço marcado pela palavra “História”, Jacya carrega a paixão pela profissão, mas também o medo do futuro.

O braço tatuado da estudante de 22 anos simboliza uma paixão que começou no ensino médio (Foto:Thaiz Lepaus)

Foi no segundo semestre de 2022 que Jacya entrou no curso de História na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com o intuito de lecionar e mudar vidas. Quem a conhece sabe: ela nunca quis ser professora. Mas foi justamente um  professor na educação baśica que a fez mudar de ideia: o professor de História Paulo.

O educador prendia a atenção dos alunos desde o momento em que pisavam na sala de aula até o relógio avisar o seu fim,  valendo-se não só da didática, mas também da capacidade de intrigar os alunos, fazendo-os questionar o mundo que os cerca, ao estilo de seu xará Paulo Freire.

Eu pensei que seria muito incrível eu conseguir fazer com outras pessoas o que ele fez comigo. Foi o meu despertar para ser uma pessoa diferente”, conta com brilho nos olhos.

Foi um professor de História que suscitou na Jacya o desejo de lecionar e transformar vidas (Foto: Thaiz Lepaus)

Mas na vida nem tudo são flores: o inicial fogo da paixão pela profissão foi se apagando e os primeiros entraves começaram a surgir. 

Moradora de Cariacica Sede, a estudante gasta em torno de uma hora e meia de ônibus para chegar às aulas que começam às 18h. Por conta do percurso feito em horário de pico, ela chega atrasada em todas. Sair cedo de casa não é uma opção, pois Jacya trabalha em um restaurante das 09h às 16h, e com o pouco tempo que sobra, ela precisa se arrumar rápido para conseguir pegar o ônibus.

Sem tempo para jantar

A fome também é uma barreira que impede a Jacya de ter um momento mais agradável na universidade. Ela almoça no intervalo do trabalho e vai ter outra refeição só depois da aula, quando chega em casa. Jacya não consegue  jantar no Restaurante Universitário (RU) da Ufes, servido das 17h30 às 19h, já que no horário de funcionamento do restaurante ela está no curso.

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Jacya é aluna do turno noturno da Ufes, e não consegue jantar na Universidade por conta do percurso (Foto: Thaiz Lepaus)

Eu fico com fome e bebo água, confessa a estudante.

Mas quando a fome aperta mesmo, ela se vira de outras formas para mitigar esse problema. As vezes eu como alguma coisa, sei lá, uma banana. Às vezes eu compro até uns chips mesmo, só para enganar o estômago”.

Não é só o percurso

A baixa remuneração dos professores de história também desanima Jacya. Só em 2024, um professor de história trabalhou 44 horas semanais em escolas de ensino fundamental no Brasil com piso salarial de R$4.180,00, de acordo com o Portal Salário.

As expectativas de carreira na área também desmotivam a aspirante a professora. Todos os dias, os alunos da Ufes recebem em seus e-mails vagas de estágio de seus cursos, mas poucas oportunidades surgem para o curso de História. Um reflexo disso é o número frequente de estudantes da licenciatura que trabalham em empregos que não são da área que estudam. Jacya e seus amigos próximos são exemplos.  

“Um dos meus amigos de curso faz algo completamente diferente – desenhos. Outro trabalha com almoxarifado. E tem os outros que trabalham com qualquer outra coisa fora da área, relata a estudante. 

Essa falta de oportunidade escancara a situação que muitos recém-formados em licenciatura em História se encontram. Um levantamento do Instituto Semesp, que desenvolve análises estatísticas referentes ao ensino superior, apontou que 68,4% dos formados em História no Brasil estão desempregados ou trabalhando fora da área. 

 Eu vou dar aula para geração Tik Tok”

Com os baixos salários e a oferta reduzida de vagas, Jacya também deve se preparar para enfrentar outro desafio – as gerações Alfa e Beta, a geração Tik Tok. Nascidos pós 2010, essas duas gerações estão crescendo em um mundo hiperconectado com informações circulando rapidamente em aparelhos tecnológicos que disputam a sua atenção a todo momento. 

Diante de uma fonte interminável de vídeos com informações rasas que duram poucos minutos, Jacya teme não conseguir inspirar os alunos da mesma forma que o Professor Paulo conseguiu em suas aulas.

“Para que o aluno vai querer escutar uma aula de uma hora, se ele pode ver um vídeo no YouTube e aprender (o conteúdo) em 10 minutos? É assustador”, teme a estudante.

Hoje, com o seu relacionamento com a História já esfriado, Jacya encara com maturidade a sua jornada pelo curso. Mesmo com todos os desencantos que passou ao longo da sua graduação e com um futuro incerto à sua frente, Jacya não se arrepende da escolha.  

“Eu poderia ter perguntado para outras pessoas como era o curso efetivamente, porque às vezes não me identifico tanto – mesmo gostando. Mas hoje eu entendo que eu mais gosto do que não gosto, e por isso ainda persisto”.

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