A beleza de ser um eterno aprendiz: a trilha de Toninho
Aos quase 70 anos, Toninho é estudante de Música na Ufes e prova, a cada nova aula, que parar de aprender nunca foi uma opção
Por Juliana Bonfá e Letícia Arcanjo
“Sempre acreditei na educação. A educação salvou a minha vida”. Essas são as palavras de Toninho, Antônio Carlos Pereira na certidão. Filho de mãe solo, que também cuidava de mais dois filhos, Toninho viu na educação um caminho para mudar de vida e tirar a mãe da luta diária que ele acompanhava de perto.

Toninho cresceu sem luxo e sem certezas. Só havia o estudo como promessa de um futuro melhor. Nascido em Linhares, concluiu o segundo grau na cidade, e com opções escassas, o trabalho veio antes da escolha. Ainda assim, ele não desistiu dos estudos. Fez algumas tentativas, como um vestibular em Colatina, e até pensou no curso de agropecuária, mas pagar por isso estava além do que ele e a mãe podiam alcançar.
O Conhecimento como Propósito
Foi em 1977 que a sorte abriu as portas para Toninho. A mãe trabalhava como empregada de Carlos Lindemberg, e foi assim que ele conseguiu uma bolsa no Colégio Nacional. Pegou o rumo de Vitória e ingressou no curso de Letras na Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto limpava os corredores do Banestes. A vida continuava difícil, mas a educação continuava sendo sua escolha inegociável. Os primeiros anos na Ufes ficaram marcados em sua memória. Com um tom de nostalgia na voz, ele conta: “Na universidade, naquela época, não tinha essas passarelas pra gente chegar até outro departamento. Era tudo lama. Quando chovia, era um sacrifício para caminhar até aqui. E eu só tinha um sapato na vida, que ainda era furado. Quando chovia, eu tinha que andar no calcanhar até lá embaixo”.
Nos anos 1980, iniciou o mestrado no Rio de Janeiro. Pouco depois, mergulhou na docência, uma jornada que se estenderia por 25 anos no Instituto Federal do Espírito Santo, encerrando-se apenas com sua aposentadoria em 2016. Mesmo aposentado, Toninho decidiu nunca parar de aprender. A mãe, criada no interior, muitas vezes não entendia essa busca insistente pelo estudo, e, intrigada, perguntava: “Pra que você quer estudar tanto?”. Toninho nunca precisou responder com palavras – sua trajetória sempre falou por ele. Aos quase 70 anos, ele continua nas salas de aula, desta vez como aluno.

Das Palavras às Notas
Hoje, Toninho é professor aposentado de letras e literatura do Ifes. Depois de uma vida ensinando palavras, agora, em 2025, ele aprende a falar com notas. Estudante do curso de Música da Universidade Federal do Espírito Santo, ele carrega consigo o prazer de aprender e a vontade de não parar.
O retorno à universidade veio antes da música. Logo após a aposentadoria, Toninho prestou o Enem e ingressou no curso de Artes Plásticas. Durante esse período, enfrentou problemas graves de saúde e encontrou nos estudos um refúgio – uma maneira de se manter firme e um motivo para sair de casa todas as manhãs, sem pensar apenas na doença.
Em 2023, movido pela certeza de que o conhecimento nunca é demais, voltou mais uma vez ao universo acadêmico, dessa vez para estudar Música. Agora, no terceiro período, sonha em concluir a graduação e, quem sabe, explorar novos caminhos. Afinal, como ele mesmo diz, ficar parado nunca foi uma opção.
Na universidade, a diferença geracional, que poderia ser uma barreira, é apenas um detalhe. Toninho sempre esteve cercado por jovens no magistério. “Sou do fundão, os alunos dizem que sou mais bagunceiro que eles”, conta, rindo, ao pensar nos colegas de sala de aula.
A tecnologia, que também poderia ser um obstáculo, ele contorna com esperteza. “Eu sou meio malandrinho nesse aspecto”, confessa, entre risadas. Em trabalhos em grupo, seus colegas ficam responsáveis pelos slides. Nunca se esforçou muito para aprender as novidades digitais, e não vê problema nisso. Para quem passou boa parte da vida batucando nas teclas da máquina de escrever, acompanhar o ritmo das telas pode ser um desafio, mas nada que lhe tire o sono.
No Ritmo do Samba
A vida de Toninho vai muito além das salas de aula. Para um aposentado, sua rotina é surpreendentemente agitada. As aulas e os trabalhos ocupam boa parte do seu tempo, mas, ultimamente, é um amor antigo que tem tomado suas horas com ainda mais intensidade: o Carnaval.
Presente em sua vida desde 1977, o Carnaval se tornou parte de sua história. Naquela época, morava em uma república quando, ao seguir o som de um tambor, encontrou a bateria da escola de samba Imperatriz do Forte. Desde então, nunca mais se afastou. Hoje, é no samba que encontra sua maior fonte de alegria, confeccionando suas próprias fantasias de luxo e desfilando nos carros alegóricos.
É com essa vontade de viver e leveza que Toninho segue seu caminho. O chapéu na cabeça é sua marca registrada, assim como a inquietação. E, se alguém lhe pergunta por que, aos 69 anos, decidiu estudar música, ele responde, com um sorriso no rosto: “Não consigo ficar parado.”