De menina a mulher: uma nova vida em uma nova rotina estudantil
Conheça a história de Jeny, que volta aos estudos depois de 10 anos afastada.
A fase da adolescência é quando surgem os novos pensamentos, prazeres, vontades e sensações. Somos atacados por hormônios, descobrimos nossos corpos, saímos do casulo da família e enxergamos o mundo com um novo olhar. Para Jennifer Passos, ou Jeny, como é conhecida, a adolescência foi o momento em que a maternidade começou a ser a principal parte da sua vida.
Por André Pietralonga e Julia Firme.
Nascida e criada em Vila Garrido, bairro periférico de Vila Velha, a atual vendedora de bolos e empadas do corredor do IC 2 e IC 3 engravidou aos 15 anos, entrou na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) aos 21, precisou trancar o curso aos 25 e, aos 31 anos, volta para cursar Letras Português.
Num caminho com alguns (ou vários) espinhos, Jennifer precisou dar um jeito para conseguir sustentar sua família. Como mãe solo, a futura estudante trabalhava em um call center durante a manhã. À tarde, para gastar apenas uma passagem, ia direto para a universidade e vagava por lá para aguardar o horário das aulas noturnas. Já cansada do longo dia e com a cabeça cheia, ela cursava apenas três matérias por semestre, até que seu filho começou a apresentar problemas na escola. Foi nesse momento que tudo mudou.
O novo começo
Jennifer buscou estar fisicamente mais presente na vida do seu filho, perdeu muitas aulas e precisou diminuir a carga horária da faculdade para ter um descanso. Em 2019, ela foi demitida. Para ter alguma renda, começou a vender bolos na parte da manhã e da tarde nos corredores do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN) da Ufes.
Nesse momento, ela descobre que a universidade tem vida. À noite, segundo ela, não tinha. Os alunos chegavam exaustos, a maioria trabalhava, na aula quase não havia energia mental para aprender, além das cantinas que fechavam antes do final das aulas. Nas manhãs, as pessoas conseguem prestar atenção, existe mais liberdade e a segurança é maior.
Foram nesses momentos que Jennifer descobriu que tinha como estudar e trabalhar de manhã. Mas, em 2020, a pandemia da Covid-19 se alastrou no mundo, e ela decidiu apertar o botão “desligamento voluntário” que surgiu no Portal do Aluno.
“Ah, jogou fora uma vaga na federal? Joguei fora, sim, uma vaga na federal. Fazer o quê? Era o que eu tinha ali no momento, e a cabeça já não estava muito boa. Só que [depois da pandemia] eu já voltei pensando, que eu abandonei uma coisa que era para eu ter feito, sabe? Deu uma arrependida de ter cancelado”, completa Jennifer.
Vendedora de bolinhos e mãe de um adolescente de 15 anos, a jovem decidiu voltar como estudante para a Ufes. Sua vida social acontece naquele corredor, ela recebe cumprimentos, abraços e beijos a todo momento. É amiga do vendedor de cigarro, de café e dos alunos, ainda é muito querida pelos consumidores que adoram os seus bolinhos e empadas super cremosas.
“Essa geração que entrou pós pandemia realmente cria vínculos. Eu não sei explicar que fenômeno foi esse. No grupo de calouros que me colocaram, antes as perguntas eram: Você namora? Qual sua sexualidade? Hoje, perguntam: Qual seu livro preferido? Qual foi o pior livro que você já leu na vida? Porque realmente querem conhecer as pessoas”.

A universidade abre portas
Jennifer, hoje, consegue enxergar que merece mais. Isso aconteceu pela ajuda dessas amizades que ela fez no seu ambiente de trabalho. Ela vê no futuro a possibilidade de ter uma bolsa no Núcleo de Línguas para aprender um novo idioma e participar de uma Iniciação Científica. E quem sabe, desta vez, ela poderá aproveitar tudo que a universidade tem a lhe oferecer.
Sem tempo para estudar e se dedicar para o ENEM, a lei de cotas que garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais do país permitiu que Jennifer voltasse para a graduação.
Ela também será um dos inúmeros alunos que, atualmente, precisam do auxílio estudantil, oferecido pela Ufes. Ela conta com essa chance, tanto para ajudar na sua renda mensal como para ter o que comer durante o dia, se conseguir refeições gratuitas no Restaurante Universitário.
A venda dos bolinhos segue a todo vapor nos corredores da Ufes, enquanto Jennifer aguarda ansiosamente para voltar aos estudos. Ela divulga seu trabalho todos os dias no grupo de WhatsApp, que criou com seus clientes, e aguarda novos compradores para conhecerem suas delícias. No Instagram, @familiadosbolinhos é onde ela tenta fazer seu comércio crescer.
Agora, Jennifer tem tempo para pensar nela. Hoje, a estudante esforçada, empreendedora e mãe, tem um mundo cheio de oportunidades que são realmente possíveis. A menina que foi mãe aos 15 anos e entrou na federal pela primeira vez para dar orgulho para a sua própria mãe e seu filho, agora, como mulher, pela segunda vez, diz com muita confiança que entra na universidade para provar para si mesma que ela, sim, consegue o que ela quiser.