Negro Sou: projeto social levanta bandeiras de autoaceitação e empoderamento da população negra

Negro Sou: projeto social levanta bandeiras de autoaceitação e empoderamento da população negra

 

A negação da identidade étnico-racial pelos estudantes motivou educadoras a criar Instituto dedicado a valorizar a cultura afro-brasileira e realizar ações antirracistas no norte do Espírito Santo

Por Stella Silveira

 

Uma estatística escolar despertou uma revolução em Linhares, norte do Espírito Santo: em uma escola da rede estadual, a maioria dos responsáveis declararam os estudantes como brancos na matrícula. No entanto, a maioria dos alunos tinham características fenotípicas negras. Partindo dessa realidade, as professoras Ana Paula Teodoro Almeida Ricardo e Jacqueliny Souza Reis notaram a urgência de trabalhar a pauta étnico-racial.

 

Professoras Ana Paula Teodoro Almeida Ricardo e Jacqueliny Souza Reis.

Com o apoio da Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, elas criaram, em 2019, uma disciplina eletiva com a temática. O impacto na comunidade escolar foi imenso, promovendo a valorização da identidade étnica antes negada. A ex-estudante Larissa Oliveira, que hoje é pedagoga, compartilhou como foi sua experiência. “Em 2019, quando eu participei do projeto na escola, a minha autoestima se elevou muito e me fez ver que sou capaz. A importância das ações antirracistas e do empoderamento negro é justamente isso. Mostrar para nós, negros, que somos capazes sim, e que não devemos deixar ninguém abaixar nossa autoestima pela nossa cor de pele”.

 

Desde 2018, estudantes e comunidade participam ativamente das atividades.

“O caminho para a transformação social é realmente a educação. Então, a gente trabalha com os jovens nas escolas, nas comunidades. Os jovens levam essa informação para as famílias. As famílias também se aproximam do Negro Sou e essa troca só vai crescendo. É uma rede que vai crescendo e transformando realmente a nossa sociedade”, aponta Jacqueliny Reis.

 

O projeto cresceu, realizou diversas ações de replicabilidade (iniciativas que visam transferir metodologias comprovadas entre escolas), eventos e formações em comunidades, e em 2023 se tornou o Instituto Negro Sou, uma organização da sociedade civil. A professora, ativista e membra da diretoria do Negro Sou, Oiolanda Moreira da Costa, compartilha como foi essa jornada: “O Instituto Negro Sou tem uma realidade totalmente diferenciada daqueles institutos ou coletivos que nascem dentro de uma uma pauta mais politizada. Ele nasce no chão da escola, no chão da sala de aula. E quando avança os muros da escola, ele já tem uma uma ressignificação daquilo que a sociedade precisa que é: visualizar as necessidades de uma juventude, meninas e meninos, homens e mulheres que precisam se ver, que precisam se sentir sujeitos, que precisam se sentir valorizados tanto na sua estrutura física como na sua estrutura social econômica”.

 

O Instituto promove diversas vivências, como a realização do Desfile da Realeza Africana, um evento em praça pública que celebra a ancestralidade negra através da personificação de figuras negras africanas pouco conhecidas, mas que se destacam na história africana. Em 2024, o evento aconteceu na principal praça de Linhares, sendo um marco para a cidade. Confira como foi

 

Desfile da Realeza Africana realizado em agosto de 2024, na Praça 22 de Agosto, Linhares-ES.

“Essas iniciativas fazem a pessoa negra enxergar que ela não foi só escrava, que ela não foi só vítima da história, que ela tem muito mais. Quantas rainhas, reis, princesas negras nós temos, mas não são reconhecidas porque sempre nos retratam como escravos, como pessoas que sofreram num certo período da história. Então ter projetos como este abrem não somente os olhos das crianças mais novas, como também dos pais que muitas vezes ensinam os filhos a se portar desse jeito, porque pra eles foi ensinado desse modo. Então na minha percepção, essas iniciativas podem e vão mudar o mundo”, ressalta Ana Beatriz Pereira, estudante que participa de ações do Instituto.

 

Oficina em comunidade quilombola.

Ao longo do ano também são realizados cursos de introdução ao letramento racial, ministrado por afropedagogas, destacando a importância de integrar temas étnico-raciais em ambientes educacionais e corporativos para a construção de espaços inclusivos, diversificados e justos. 

 

“Agimos coletivamente para superar todo apagamento da história das pessoas trazidas de África para cá. A nossa história real enquanto pessoas pretas, do quanto esse país foi construído com o nosso suor, com o nosso sofrimento, e quanto o povo preto é um povo forte, um povo resistente, um povo que luta. O Negro Sou é suporte nessa luta e ajuda a empoderar esse jovem a perceber que ele é forte, que ele também pode lutar e que ele consegue, que juntos a gente consegue mudar a educação, mudar a nossa sociedade”, afirma Jacqueliny, que também é vice-presidente do Instituto Negro Sou.

 

Além de oficinas de pintura tribal, tranças e outras temáticas que envolvem moda e identidade, com objetivo de valorizar a estética afro-brasileira. “A comunidade negra ganha mais voz na sociedade lutando pela igualdade social, assim a gente pode reduzir conflitos sociais causados pelos traumas da escravização e do racismo estrutural. O Negro Sou ensinou que temos que amar a pele negra e o nosso afro, nosso cabelo crespo natural. Nós temos que nos amar!”, registra a estudante Ana Clara Santos Silva Brito, que participou de diversas ações do Instituto. 

 

Desafios

A ativista Oiolanda destaca também os desafios de trazer a pauta étnico-racial em Linhares. “Quando nós falamos em trabalhar as estruturas do pensamento negro, a gente precisa olhar para nossa realidade, que é o interior do Espírito Santo, dentro de uma estrutura extremamente conservadora”, registra. 

 

A professora também destaca a discriminação racial e de gênero como desafios. “Sabemos que o ser negro no Brasil hoje não é fácil, diante do racismo velado que ainda nos ofusca. E quando a gente fala, ‘ofuscar o brilho’ não é a questão do brilho de poder, mas é o brilho de viver, de ser quem você realmente quer ser”, registra. Confira mais no áudio: 

 

Instituto Negro Sou no Desfile Cívico-escolar no aniversário do munícipio de Linhares.

 

Negro Sou em ação pelo fim da violência contra mulher.

 

Pauta para o ano todo, não apenas em novembro

Ações antirracistas e de valorização da cultura afro-brasileira são fundamentais para a promoção da igualdade, do respeito à diversidade e da construção de ambientes inclusivos. No entanto, muitas vezes essas pautas ficam restritas a datas específicas. Em áudio, Oiolanda compartilha sobre a importância de refletir durante todo ano e em todos os espaços.

 

Organismos como o Instituto estimulam o diálogo intercultural, a tolerância, o respeito e a valorização da diversidade, além de desenvolver a consciência crítica sobre questões raciais na comunidade. “O propósito é ampliar cada vez mais a luta por uma sociedade mais igualitária, por uma educação antirracista, para que mais homens e mulheres negras tenham espaço político, espaço de fala, consigam ter acesso a essa sociedade de forma mais digna”, reforça Ana Paula, professora e presidente do Instituto Negro Sou. Confira mais na entrevista abaixo:

 

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